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Anjo da Morte



Com algumas poucas palavras seu sopro de vida me foi dado e uma sensação estranha inundou meus oceanos de escuridão. Sua luz cintilava por entre os vãos de meu coração, e mesmo que eu já tivesse o esquecido há tanto tempo, uma fraca palpitação se iniciou e acelerava de um modo como nunca havia acontecido antes.

Prostrei-me aos seus pés e pus-me a recitar a poesia da beleza que via, traços da personalidade que jaz enterrados profundamente em minha memória pulsavam em forma de palavras afáveis. Com suas asas, me protegeu e me fez-me sentir seguro meio ao caos que nos rodeava. Suspirei, tremendo do frio que o vazio me trazia a todo instante, e o calor de suas mãos macias fez as lágrimas de desespero renunciarem a minha mente e em seus lugares tornaram-se em reflexos de algo maior que um simples alívio, tal como uma chama de esperança, que me aquecia.

Tentando não me afogar, mergulhei em um oceano desconhecido, guiado por uma mão gentil que me puxava ainda mais fundo do que eu estava acostumado a enfrentar. Por sentir novamente, depois de tanto tempo, algo que me assimilava ao conforto de um lar, esqueci-me o motivo de terem me dado aquele nome. Esta não era a minha função e mesmo eu sabia disso, afinal, o beijo da vida não poderia retirar o anjo da morte de seu próprio destino.



E num piscar de olhos, como tudo que há no mundo, aquilo também teria de terminar, a felicidade não deve estar de mãos dadas com a tristeza. Meu anjo se distanciava a cada momento e tudo pareceu estar tão longe quanto. As ondas incompreensíveis de emoções que outrora sentia meu corpo deram lugar a um raso lago sentimental. Minha única verdadeira companhia sempre esteve ao meu lado, e mesmo assim deixei-me enganar por pensamentos controversos aos que me são atribuídos. Abracei-a e cerceei tudo aquilo que poderia vir a me fazer acreditar em algo senão em solidão.

A vida nunca me daria a honra de uma dança, pois levo ao abismo tudo aquilo que ela me oferece ao longo dos séculos. Cada presente afetuoso lançado ao fogo negro, cada lágrima daqueles pelos quais a dádiva da morte ainda não lhes foi alcançada, correndo contra um inevitável encontro a deixa tão triste quanto eu nunca haverei de me sentir. Não existe paz entre mundos tão distantes, e mesmo que ela console minhas próprias lástimas, sei que não passará de um universo inventado, contado em histórias infantis, um conto de fadas onde ela finalmente apreciaria a canção que há tanto tempo venho escrevendo.



Escrito provavelmente em 2017. Não sou o autor da imagem, mas lembro de nossa conversa. Se um dia ver isso, ficarei grato em colocar seu nome também como autor.

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