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DE-FIS: COMO AS FINANÇAS DESCENTRALIZADAS IMPACTAM NO DIREITO BRASILEIRO



A Internet, como ferramenta, foi, sem sombra de dúvidas, a maior invenção da humanidade, possibilitando a comunicação entre distâncias antes nunca possíveis, de forma instantânea, permitindo a globalização em diversos aspectos, humanitários, com interações sociais, comerciais, com a possibilidade maior de deslocamento de produtos e, neste caso, transacionais, efetivando-se pagamentos, conversão de moedas de forma prática e sem a necessidade de um intermediário.


O Bitcoin, protocolo elaborado por Satoshi Nakamoto, pseudônimo de um autor ou autores ainda desconhecidos[1], trouxe para a escala global uma nova forma de se pensar o dinheiro. Trata-se, através do seu White paper, que é uma descrição detalhada de causa, problema e solução, de uma metodologia de um “sistema de pagamento eletrônico pessoa a pessoa (P2P)”, como o próprio título o descreve.


Importante correlacionar que existem três coisas distintas que são comumente associadas, o Bitcoin (com letra maiúscula), que é a rede em que o bitcoin (letra minúscula), o criptoativo, está relacionado, e Blockchain, que é a tecnologia de registros em que ambos estão operando. Esta última, trata-se de um banco de dados distribuído (descentralizado), onde ficam armazenadas todas as transações efetuadas de forma permanente e imutável, através de um conceito denominado Prova de Trabalho (Proof-of-Work).


Por se tratar de uma tecnologia ampla e complexa, cada projeto pode possuir uma própria, como a rede Etherium (Ether), ou Cardano (Ada), que são responsáveis pela segunda e terceira geração da Blockchain, sendo as maiores, em níveis de capitalização de mercado. Assim, é relevante definir quais são os conceitos por trás de cada uma destas tecnologias, para então observar as questões pertinentes à regulamentação dentro do direito brasileiro.


Mesmo estando inseridos por completo em um sistema pautado totalmente em informações e tecnologias surgindo a todo instante, ainda existe bastante obscuridade dentro do imaginário da população comum, que busca compreender conceitos complexos, voláteis e incrivelmente rápidos em seu desenvolvimento, com base em certos preconceitos que foram erroneamente apresentados, consoante expõe Castello (2019).


Boff e Ferreira (2016), trazem que, a partir de um ideal de liberdade surgiu o Bitcoin, e dele, o conceito de finanças descentralizadas (De-Fis), que serão o alvo do presente projeto. Consistem na quebra dos paradigmas do sistema financeiro tradicional, onde se elimina a figura do intermediário através de pura tecnologia, com um protocolo que garante a segurança e legitimidade das transações. A ideia é que o dinheiro atue como o ouro uma vez foi, com valor intrínseco e sujeito à escassez, o que não é possível com bancos centrais.


Os economistas indicaram que existe, no mercado, uma demanda por dinheiro e um suprimento de dinheiro semelhantes à demanda por, e ao suprimento de, qualquer outro artigo. Deve-se notar, entre parênteses, no entanto, que esta demanda por, e suprimento de, dinheiro não tem nada em comum com a demanda por, e suprimento de, empréstimos. (MISES, 2017, p. 84)


Justamente por esse motivo, é notório que o Estado, elucida Mattor (et al., 2020), como entidade presente em toda e qualquer forma de governança, será ameaçado de uma forma ou outra, seja com a quebra do monopólio ou com a ocultação de patrimônios, com preceitos morais baseados nos fundamentos dos De-Fis ou até mesmo de modo ao cometimento de atos ilícitos propriamente ditos.

Descher (2018), por outro lado, menciona que outro fundamento para as criptomoedas é o fator inflacionário do sistema fiduciário, onde o Estado possui o controle total da emissão da moeda, de títulos e não há um fator extrínseco que possa controla-lo. Diferentemente disso, o Bitcoin, por exemplo, possui um número finito e consideravelmente pequeno de suprimento, podendo chegar até 21 milhões de unidades até o ano de 2140, sendo o limite total.

A inflação é um aumento na quantidade de dinheiro sem um aumento correspondente na demanda por dinheiro, isto é, pelo armazenamento de dinheiro. Isso não significa que a inflação em si não influencia a demanda por dinheiro. A quantidade de dinheiro e a demanda por dinheiro não são magnitudes absolutamente independentes. (MISES, 2017, p. 85)


Como ressalta Campos (2020, p. 02), “a queda de paradigmas é muito grande e enfrentará resistência em todos os campos, principalmente por parte dos Governos, que perderão o controle absoluto sobre a movimentação de valores dos cidadãos”, que acontece e será frequente com a evolução dos sistemas descentralizados de finanças, que garantem privacidade e autonomia nas transações.

Assim, busca-se observar, através deste projeto de pesquisa, as relações entre as novas tecnologias e o sistema fiduciário, entendendo que existe uma correlação entre os mercados e que o futuro, necessariamente, exige determinadas mudanças, a fim de procurar denominadores razoáveis para cada uma das questões. O ponto de delimitação é, portanto, entender os limites, barreiras e conflitos dessas prováveis e breves modificações (BOFF e FERREIRA, 2016).


2 DESENVOLVIMENTO

2.1 REFERENCIAL TEÓRICO


Inicialmente, segundo Boff e Fereira (2016) a fim de se esclarecer a respeito dos conceitos relevantes para a explanação do tema, é imprescindível observar como a tecnologia envolvida se comporta, de onde ela surgiu e quais as propostas por trás de cada projeto das dezenas de grandes propostas que apareceram nos últimos anos no mercado.


Para isso, Campos (2020), partindo de um conceito histórico, é necessário associar a relevância dos avanços tecnológicos para o curso da humanidade. Da descoberta do fogo às primeiras plantações, que possibilitaram aos homens fixarem suas moradias em prol de não somente a sobrevivência, mas o exercer da regularidade, da segurança e do conforto.


Assim, Drescher (2018), traz que, após a Revolução Industrial, houve uma mudança significativa em todos os aspectos da vida comum, serviços e produtos antes impensáveis se tornaram possíveis, a criação e o desenvolvimento de novos processos tecnológicos, que reduziram preços e aumentaram a renda da população.


Ao pavimentar o caminho para a iniciativa privada capitalista, a economia transformou em poucas gerações, todos os assuntos humanos, mais radicalmente do que foi feito nos dez mil anos anteriores. Do dia do seu nascimento até o dia da sua morte, os habitantes de um país capitalista são beneficiados, a cada minuto, pelas maravilhosas realizações dos meios capitalistas de pensar e agir (MISES, 2015, p. 69).

Gonçalves (1984), pontua que desde o final do século XIX, houve um crescimento exponencial das ferramentas humanas, da energia elétrica ao avião, do computador à Internet, e dela às redes sociais, que possibilitaram comunicação intercontinental. Uma mensagem que antes levaria semanas ou meses, hoje é instantânea, sendo incluída de forma tão natural no cotidiano que torna ainda mais distante a linha cronológica, por exemplo, da caneta esferográfica, desenvolvida em 1938 pelo húngaro Lászlo Biró.


E nas últimas duas décadas, a tecnologia nos permitiu passar dos aparelhos de telefone fixos ou extremamente rudimentares para os modernos smartphones, que ocupam um grande espaço na maior parte das tarefas executadas diariamente por todos. Os Millennials e o início da geração Z passaram da Internet discada, que levava dias para executar uma operação simples, como o Download de músicas ou um filme, com o risco de ocorrerem problemas de conexão, para sistemas que operam com Terabytes de informação em poucos minutos, quiçá algumas horas (BOFF e FERREIRA, 2016).